Trusts e estruturas no exterior: o que o fisco brasileiro espera (mesmo sem legislação clara)
Trusts e estruturas no exterior: o que o fisco brasileiro espera (mesmo sem legislação clara)
Trusts, fundações privadas, holdings familiares, LLCs e outras estruturas no exterior são comuns em planejamentos patrimoniais internacionais. Em muitos países, são ferramentas legítimas para proteção, sucessão e blindagem de ativos. Mas quando o beneficiário, instituidor ou administrador dessas estruturas torna-se residente fiscal no Brasil, o cenário muda de forma significativa.
A legislação brasileira não trata diretamente os trusts e estruturas similares. Isso deixa um vazio normativo que vem sendo preenchido por entendimentos da Receita Federal, decisões judiciais pontuais e práticas cautelosas adotadas por consultores e advogados.
O problema não está apenas na tributação, mas na insegurança jurídica que isso gera — especialmente para quem administra grandes volumes, participa de estruturas familiares complexas ou transita entre países. A seguir, apresentamos os principais pontos que devem ser considerados quando o Brasil entra no radar do planejamento patrimonial internacional.
O Brasil não reconhece a figura do trust — mas tributa seus efeitos
O trust, na origem anglo-saxônica, cria uma separação entre a titularidade legal (trustee) e os benefícios econômicos (beneficiários). No Brasil, esse conceito não encontra paralelo jurídico direto. A Receita, então, tende a desconsiderar a separação patrimonial e tratar os bens ou rendimentos como se fossem de propriedade do instituidor (settlor) ou do beneficiário — dependendo do momento e da estrutura.
Isso significa que mesmo que o patrimônio esteja em nome de um trustee, pode haver exigência de declaração e até tributação dos rendimentos por parte do beneficiário brasileiro.
Transparência fiscal: o “beneficiário brasileiro” é o centro da análise
A Receita Federal adota a lógica da “transparência fiscal” ao avaliar estruturas no exterior. Ou seja, ela olha para quem efetivamente se beneficia da renda ou patrimônio — independentemente da titularidade formal.
Assim, se um residente fiscal no Brasil é beneficiário de um trust ou tem poderes sobre uma estrutura no exterior, há expectativa de que ele declare esse vínculo e seus efeitos na Declaração de Ajuste Anual (IRPF).
Distribuições podem ser tributadas como rendimento tributável — mesmo que já tenham sido tributadas no exterior
Uma armadilha comum ocorre quando o beneficiário brasileiro recebe uma distribuição de valores de um trust e entende que, por ter sido tributada no exterior ou por não ter vínculo direto com o rendimento, não haveria tributação no Brasil. Na prática, a Receita tem exigido o IRPF sobre essas quantias, como se fossem rendimentos comuns — salvo quando for comprovada sua natureza sucessória ou de doação.
Isso pode levar a bitributação ou à necessidade de comprovar minuciosamente a origem dos valores, o que nem sempre é simples em estruturas antigas ou mal documentadas.
O risco maior está na omissão ou na má interpretação da estrutura
A omissão de um trust ou holding no exterior — seja como instituidor, beneficiário ou controlador — pode ser interpretada como tentativa de evasão, sobretudo com o avanço dos mecanismos de cooperação internacional, como o Common Reporting Standard (CRS).
Além disso, declarar de forma incorreta — por exemplo, omitindo rendimentos recebidos, deixando de informar o saldo patrimonial, ou declarando apenas o trust sem detalhar seus ativos — também pode ser interpretado como indício de irregularidade.
Estruturas opacas: holdings e LLCs também são foco de atenção
Mesmo fora do universo dos trusts, estruturas como LLCs nos EUA, fundações no Panamá ou holdings nas Ilhas Virgens também precisam de atenção. Quando o residente no Brasil possui controle ou benefício direto sobre essas entidades, a Receita pode exigir a declaração do patrimônio subjacente, não apenas da empresa.
Na prática, isso elimina a “blindagem” que essas estruturas pretendem oferecer — pelo menos do ponto de vista da obrigação de transparência fiscal brasileira.
O timing da residência fiscal é o gatilho de obrigações
Muitas estruturas foram criadas antes da pessoa tornar-se residente no Brasil. Esse detalhe faz diferença no contexto de planejamento sucessório e patrimonial. Porém, a partir do momento em que o beneficiário se torna residente fiscal brasileiro, a obrigação de declarar e tributar se ativa, mesmo que os recursos ainda estejam fora do país.
Executivos expatriados, investidores retornando ao Brasil e jovens herdeiros que assumem a residência fiscal precisam estar cientes desse ponto crítico.
Conclusão: o Brasil ainda não tem regras claras sobre trusts — mas os riscos são reais
A ausência de normas específicas no Brasil não significa que estruturas no exterior passem despercebidas. Ao contrário: a Receita Federal tem endurecido sua posição, exigido transparência e tratado cada vez mais essas estruturas como fontes de renda tributável.
Na Bernhoeft, atuamos com famílias, herdeiros, investidores e executivos com estruturas no exterior, auxiliando na declaração correta, no entendimento dos riscos fiscais e na integração com planejamentos patrimoniais internacionais. O foco não é só cumprir obrigações, mas evitar surpresas e preservar o legado construído fora do país.