Artigo 59 da CLT: impactos do erro nas regras de hora extra
No universo das relações de trabalho, a jornada é um dos pilares centrais do contrato. Qualquer período que ultrapasse essa jornada contratual entra em um campo sensível e de alto risco: a jornada extraordinária. Muitas empresas, por hábito ou necessidade operacional, tratam a hora extra como um custo previsível, parte da rotina da folha de pagamento. Essa visão, no entanto, é limitada e perigosa.
O descumprimento das regras previstas no Artigo 59 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não representa apenas um custo adicional. Ele pode gerar um passivo trabalhista oculto, capaz de invalidar regimes de compensação e resultar em dívidas retroativas de grande impacto financeiro.
A Reforma Trabalhista, instituída pela Lei nº 13.467 de 2017, trouxe novas possibilidades ao Artigo 59, como o banco de horas individual e o regime 12×36 por acordo escrito. No entanto, essa flexibilização exige maior controle, formalização e gestão documental rigorosa.
Ignorar a forma correta de administrar a jornada extraordinária é, atualmente, um dos maiores riscos jurídicos e financeiros que uma empresa pode enfrentar. Esse risco não se limita aos empregados diretos, mas se estende a toda a cadeia de fornecedores.
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Decifrando o Artigo 59 da CLT: o que sua empresa precisa saber
O Artigo 59 da CLT estabelece os parâmetros legais para o trabalho extraordinário. Conhecer seus dispositivos é essencial para prevenir riscos e garantir conformidade.
Limite diário e formalização: a jornada diária pode ser acrescida de, no máximo, duas horas extras. Um empregado contratado para oito horas diárias não deve ultrapassar dez horas de trabalho por dia. Essa prorrogação exige acordo individual escrito, Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) ou Convenção Coletiva de Trabalho (CCT). A prática habitual ou a ordem verbal, sem respaldo documental, configura infração e pode ser invalidada judicialmente.
Adicional de hora extra: a Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XVI, determina que a remuneração da hora extra deve ser, no mínimo, cinquenta por cento superior à da hora normal. Esse é o piso legal. A CCT da categoria pode prever percentuais maiores, como sessenta, setenta e cinco ou até cem por cento para domingos e feriados. O não pagamento correto desse adicional pode gerar condenações com reflexos sobre outras verbas trabalhistas.
Banco de Horas e Acordo de Compensação Semanal: o Artigo 59 permite duas formas principais de compensação da jornada:
O acordo de compensação semanal é utilizado para suprimir o trabalho aos sábados, com acréscimo de minutos diários de segunda a sexta-feira, totalizando quarenta e quatro horas semanais.
O banco de horas permite compensar horas extras com folgas futuras. A Reforma Trabalhista trouxe duas modalidades:
- Banco de horas coletivo, firmado por ACT ou CCT, com prazo de compensação de até um ano.
- Banco de horas individual, firmado por acordo escrito, com prazo de compensação de até seis meses.
Regime 12×36: o regime de doze horas de trabalho por trinta e seis de descanso é comum em atividades contínuas, como saúde, vigilância e portaria. Antes da Reforma Trabalhista, sua validade dependia de norma coletiva, conforme a Súmula 444 do Tribunal Superior do Trabalho.
Com a inclusão do Artigo 59-A na CLT, passou a ser possível instituí-lo por acordo individual escrito. Ainda assim, é necessário observar os intervalos legais e garantir que os direitos do trabalhador estejam preservados.
Os erros mais comuns
O passivo trabalhista raramente decorre de grandes fraudes. Ele é construído no dia a dia, por meio de falhas de gestão que se acumulam ao longo do tempo.
Controles de ponto ineficazes: empresas com mais de vinte empregados são obrigadas a manter controle de ponto, conforme o Artigo 74 da CLT. O uso de registros fixos, conhecidos como ponto britânico, é considerado inválido pela Súmula 338 do TST.
Esse tipo de registro transfere à empresa o ônus de provar que o empregado não realizou as horas extras alegadas. A ausência de um sistema confiável, conforme os requisitos da Portaria nº 671 do Ministério do Trabalho e Previdência, aumenta significativamente o risco de condenações.
Acordos informais: acordos verbais para compensação de horas não têm validade jurídica. Sem um acordo individual escrito ou instrumento coletivo válido, o banco de horas é considerado nulo.
Nesse caso, todas as horas extras registradas devem ser pagas com o adicional correspondente, gerando impacto direto na folha de pagamento e no passivo trabalhista.
Gestão deficiente do banco de horas: o banco de horas possui prazos legais para compensação. Se o prazo expira e o empregado ainda possui saldo positivo, essas horas devem ser pagas com o adicional devido. O mesmo se aplica em caso de rescisão contratual.
A falha na gestão desses prazos pode resultar em pagamento em dobro, conforme entendimento consolidado na jurisprudência trabalhista.
Pagamento “por fora”: a prática de remunerar horas extras sem registro formal, por meio de recibos simples ou valores pagos em espécie, configura fraude trabalhista e sonegação previdenciária.
Essa conduta pode ser facilmente comprovada em juízo e acarreta multas, além do pagamento retroativo de encargos como INSS e FGTS, com juros e correção monetária.
Reflexos das horas extras: horas extras prestadas com habitualidade integram o salário para todos os fins. Devem gerar reflexos sobre o descanso semanal remunerado, férias acrescidas de um terço, décimo terceiro salário, aviso prévio e FGTS.
A Súmula 172 do TST consolida esse entendimento. Ignorar essas incidências é um dos erros que mais encarecem o passivo trabalhista.
O impacto do cálculo de hora extra na Gestão de Terceiros
Para empresas que contratam serviços terceirizados, o Artigo 59 representa um risco que, embora originado no fornecedor, pode impactar diretamente a contratante. O descumprimento das regras de jornada pela terceirizada é uma das principais fontes de passivo trabalhista nos contratos de prestação de serviços.
A Súmula 331 do TST estabelece a responsabilidade subsidiária da tomadora. Isso significa que, se a empresa terceirizada não pagar corretamente as horas extras de seus empregados alocados, a contratante poderá ser responsabilizada integralmente.
Por esse motivo, é essencial auditar a jornada dos terceiros, verificando se os fornecedores estão:
- Registrando corretamente o ponto dos profissionais alocados.
- Pagando as horas extras e seus reflexos nos holerites.
- Gerenciando adequadamente os bancos de horas.
- Respeitando os limites do regime 12×36, quando aplicável.
Ignorar esses aspectos é assumir um risco silencioso. O excesso de hora extra pode indicar má gestão, falta de pessoal ou desequilíbrio contratual. Esses sinais são indicativos de um passivo iminente que pode recair sobre a empresa contratante.
O Artigo 59 da CLT não deve ser tratado como mera referência normativa do Departamento Pessoal. Ele representa um instrumento estratégico de controle financeiro e prevenção de passivos.
O cumprimento rigoroso das regras de jornada extraordinária, aliado ao uso de sistemas de ponto compatíveis com a Portaria 671, à formalização adequada dos acordos e à gestão ativa dos bancos de horas, constitui um conjunto de práticas que protege a empresa contra riscos trabalhistas e previdenciários.
Mais do que isso, estender esse cuidado aos fornecedores é essencial para evitar que falhas externas impactem diretamente o balanço da contratante.
O investimento mais eficiente não está no pagamento do passivo após sua constituição, mas na auditoria preventiva das práticas de jornada, tanto internas quanto terceirizadas. A gestão da jornada no contexto da terceirização exige conhecimento técnico e foco em conformidade.
Como a Bernhoeft pode te ajudar?
A Bernhoeft atua há mais de vinte anos na análise trabalhista e previdenciária de terceiros. Nosso trabalho vai além da verificação de obrigações básicas. Avaliamos os pontos críticos, como a gestão da jornada, identificando riscos antes que se convertam em ações judiciais. Com isso, protegemos sua empresa da responsabilidade subsidiária prevista na Súmula 331 e asseguramos a conformidade legal da cadeia de suprimentos.
Autora: Anna Flávia Pereira | Analista de Compliance de Gestão de Terceiros na Bernhoeft