Terceirização e responsabilidade técnica na segurança do trabalho
A terceirização é uma prática consolidada no ambiente corporativo brasileiro, adotada por empresas que buscam eficiência operacional, redução de custos e foco em atividades estratégicas.
No entanto, essa modalidade de contratação exige atenção rigorosa à conformidade legal, especialmente no que se refere à Segurança e Saúde no Trabalho (SST). A responsabilidade técnica exercida por engenheiros e técnicos de segurança do trabalho é um elemento central para garantir que as obrigações legais sejam cumpridas, evitando riscos jurídicos, operacionais e previdenciários.
A ausência de profissionais habilitados na gestão de terceiros pode comprometer a validade de documentos legais, expor a empresa a autuações e gerar passivos trabalhistas e previdenciários.
Este artigo analisa o papel dos profissionais de SST na terceirização, com foco nas atribuições legais, exigências documentais, riscos da ausência de habilitação, implicações jurídicas e casos práticos de responsabilização.
Atribuições Legais dos Profissionais de SST: CREA e MTE
As atribuições dos profissionais de SST são regulamentadas por legislações específicas e vinculadas a órgãos fiscalizadores como o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA) e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), atualmente vinculado ao Ministério do Trabalho e Previdência.
Engenheiros de Segurança do Trabalho
Os engenheiros de segurança do trabalho são regidos pela Resolução nº 359/1991 do CONFEA, que define suas competências técnicas, como elaboração de projetos, laudos, pareceres e programas de prevenção. Para exercer legalmente suas funções, é obrigatória a emissão da Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), conforme a Lei nº 6.496/1977. A ART é o instrumento que formaliza a vinculação do profissional ao serviço técnico prestado, sendo exigida em auditorias, fiscalizações e processos judiciais.
Técnicos de Segurança do Trabalho
Os técnicos de segurança do trabalho são regulamentados pela Lei nº 7.410/1985 e pela Portaria nº 3.275/1989. Suas atribuições incluem inspeções de campo, treinamentos, elaboração de relatórios, participação em comissões internas de prevenção de acidentes (CIPA) e apoio na implementação de programas de SST. A Norma Regulamentadora nº 4 (NR-4) estabelece a obrigatoriedade desses profissionais conforme o grau de risco da atividade econômica e o número de empregados da empresa.
Na terceirização, é responsabilidade da empresa contratante verificar se o prestador de serviços possui profissionais habilitados e se os documentos técnicos estão devidamente assinados, garantindo a rastreabilidade e legalidade das ações de SST. A ausência dessa verificação pode configurar negligência e gerar responsabilização subsidiária.
Documentos que Exigem Assinatura de Responsável Técnico
A legislação brasileira exige que determinados documentos de SST sejam elaborados e assinados por profissionais legalmente habilitados. A assinatura técnica confere validade jurídica e técnica aos documentos, sendo essencial para sua aceitação por órgãos fiscalizadores e previdenciários.
PGR – Programa de Gerenciamento de Riscos
Instituído pela NR-01 (Portaria SEPRT nº 6.730/2020), o PGR é obrigatório para todas as empresas, exceto MEI e algumas MEs e EPPs enquadradas em grau de risco 1 ou 2. O programa deve ser elaborado com base na identificação de perigos, avaliação de riscos ocupacionais e definição de medidas de controle. A assinatura de profissional habilitado — engenheiro ou técnico de segurança do trabalho — é essencial para garantir a validade técnica e legal do documento.
LTCAT – Laudo Técnico das Condições Ambientais do Trabalho
Regulamentado pelo Decreto nº 3.048/1999, o LTCAT é exigido para fins previdenciários, especialmente para comprovação de exposição a agentes nocivos e concessão de aposentadoria especial. Deve ser elaborado por engenheiro de segurança ou médico do trabalho, com assinatura técnica válida. O laudo deve conter informações detalhadas sobre os agentes físicos, químicos e biológicos presentes no ambiente de trabalho, bem como os métodos de avaliação utilizados.
Outros Documentos Técnicos
Além do PGR e do LTCAT, diversos outros documentos exigem assinatura técnica:
- Laudos de insalubridade e periculosidade (NR-15 e NR-16): utilizados para fins trabalhistas e judiciais, devem ser elaborados por engenheiro de segurança do trabalho.
- Plano de emergência (NR-23): documento que estabelece procedimentos em caso de incêndios e outras situações de risco, exigindo elaboração técnica.
- Relatórios de inspeção e auditoria: utilizados para monitoramento contínuo das condições de trabalho.
- Pareceres técnicos em perícias judiciais: exigem assinatura de profissional habilitado para serem aceitos como prova técnica.
A exigência de assinatura técnica visa garantir que os documentos tenham respaldo legal e técnico, protegendo tanto os trabalhadores quanto as empresas envolvidas. A ausência de assinatura invalida o documento e pode gerar penalidades administrativas e judiciais.
Riscos da Ausência de Profissional Habilitado na Gestão de Terceiros
A ausência de profissionais habilitados na gestão de terceiros representa um risco direto à conformidade legal e à segurança jurídica da empresa contratante. Embora a responsabilidade direta pelas condições de trabalho recaia sobre o empregador terceirizado, a contratante pode ser responsabilizada subsidiariamente em diversas situações.
Riscos Legais
- Multas e autuações: A fiscalização do trabalho pode autuar empresas que não exigem dos seus terceiros a presença de profissionais habilitados ou documentos técnicos válidos.
- Responsabilidade civil e criminal: Em caso de acidentes graves ou fatais, a empresa contratante pode ser responsabilizada por negligência, especialmente se não houver controle técnico sobre as atividades terceirizadas.
- Ações trabalhistas: Trabalhadores terceirizados podem acionar a contratante judicialmente, alegando omissão na fiscalização das condições de trabalho.
Riscos Operacionais e Previdenciários
- Interdição de atividades: A ausência de documentos técnicos válidos pode levar à paralisação de obras ou operações.
- Perda de benefícios previdenciários: Documentos como o LTCAT inválido podem impedir o reconhecimento de direitos como aposentadoria especial.
- Imagem institucional: Acidentes ou denúncias podem comprometer a reputação da empresa, afetando sua credibilidade no mercado.
A gestão técnica da terceirização deve incluir a exigência formal de profissionais habilitados e a verificação periódica da validade dos documentos técnicos apresentados. Essa prática deve ser incorporada aos processos de qualificação e monitoramento de fornecedores.
Interface entre Responsabilidade Técnica e Segurança Jurídica
A responsabilidade técnica é um dos pilares da segurança jurídica na terceirização. Ela garante que as ações de SST sejam conduzidas por profissionais legalmente habilitados, com respaldo normativo e técnico.
Segurança Jurídica e Rastreabilidade
A emissão de ARTs e registros formais permite rastrear as ações realizadas, demonstrando diligência e boa-fé por parte da empresa. Em processos judiciais, a presença de documentos assinados por profissionais habilitados pode ser decisiva para afastar a responsabilidade da contratante. A rastreabilidade técnica é um elemento essencial para a defesa jurídica em casos de acidentes ou denúncias.
Compliance e Governança Corporativa
Empresas que adotam práticas de compliance em SST, incluindo a exigência de responsabilidade técnica, demonstram compromisso com a integridade e a gestão de riscos. Isso é especialmente relevante em setores regulados, como construção civil, mineração, indústria química e logística. A responsabilidade técnica deve ser incorporada às políticas internas de compliance e aos contratos com fornecedores.
Contratos e Auditorias
A responsabilidade técnica deve estar prevista nos contratos com terceiros, incluindo cláusulas que exijam a apresentação de documentos assinados por profissionais habilitados. Em auditorias internas ou externas, essa documentação é essencial para comprovar a conformidade legal e técnica das operações. A ausência de cláusulas específicas sobre SST pode fragilizar a posição da empresa em disputas judiciais.
Casos Práticos de Responsabilização por Omissão ou Negligência Técnica
Diversos casos reais demonstram como a ausência de responsabilidade técnica na gestão de terceiros pode resultar em penalidades severas, tanto para o prestador quanto para a empresa contratante. A seguir, são apresentados três exemplos emblemáticos:
Caso 1: Acidente Fatal em Empresa Terceirizada
Durante a manutenção de um equipamento industrial, um trabalhador terceirizado sofreu um acidente fatal. A investigação conduzida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) revelou que não havia Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) válido, conforme exigido pela NR-01. A contratante foi responsabilizada subsidiariamente por negligência na fiscalização das condições de trabalho, resultando em ação civil pública e danos à imagem institucional.
Caso 2: Indeferimento de Aposentadoria Especial por LTCAT Inválido
Um colaborador terceirizado solicitou aposentadoria especial com base na exposição a agentes químicos. O Laudo Técnico das Condições Ambientais do Trabalho (LTCAT) apresentado não estava assinado por engenheiro de segurança ou médico do trabalho, conforme exigido pelo Decreto nº 3.048/1999. O INSS indeferiu o pedido, e a empresa contratante foi obrigada a emitir novo laudo com assinatura técnica válida, gerando atrasos e custos adicionais.
Caso 3: Autuação por Falta de Laudo de Insalubridade
Em uma operação de carga e descarga, a empresa terceirizada não apresentou laudo de insalubridade válido, exigido pela NR-15. A contratante foi autuada por não exigir a documentação técnica do prestador, evidenciando falha na gestão de riscos ocupacionais. O caso resultou em multa e revisão dos processos de qualificação de fornecedores.
Esses casos evidenciam que a omissão ou negligência técnica não apenas compromete a conformidade legal, mas também expõe a empresa a riscos financeiros, operacionais e reputacionais.
A terceirização exige uma gestão técnica rigorosa para garantir a conformidade legal e a segurança dos trabalhadores. Engenheiros e técnicos de segurança do trabalho desempenham papel fundamental nesse processo, sendo responsáveis pela elaboração, validação e acompanhamento de documentos e programas de SST. A ausência de profissionais habilitados compromete a segurança jurídica da empresa e expõe todos os envolvidos a riscos legais, operacionais e previdenciários.
A responsabilidade técnica, formalizada por meio de ARTs e assinaturas em documentos normativos, é um instrumento de proteção jurídica e técnica. A gestão de terceiros deve incorporar critérios técnicos rigorosos, exigindo a presença de profissionais habilitados e a validação periódica dos documentos legais. Essa prática fortalece a cultura de prevenção, integridade e responsabilidade corporativa, contribuindo para a sustentabilidade das operações e a proteção dos trabalhadores.
Como a Bernhoeft pode te ajudar?
Com anos de experiência na gestão de terceiros, a Bernhoeft oferece soluções customizadas para transformar a relação entre empresas e seus fornecedores. Tem expertise em estruturar processos e estratégias que promovem governança, integridade e sustentabilidade em toda cadeia de valor, o que permite em atuar nas práticas de D&I alinhadas as exigências de ESG e aos objetivos estratégicos do seu negócio.
Oferecemos soluções personalizadas para as demandas específicas, auxiliando na implementação de práticas seguras e fornecendo treinamentos para uma conformidade documental. Se entender que precisa de apoio nesse sentido, entre em contato conosco. Nossa equipe de profissionais altamente qualificados está pronta para ajudá-lo a navegar pelas complexidades da gestão de terceiros.
Autora: Maria Danielle Nascimento | Assistente de Gestão de Terceiros na Bernhoeft