Trusts nos EUA: por que brasileiros adotam esta estrutura?
O crescimento do patrimônio globalizado e a complexidade das regras sucessórias no Brasil e nos Estados Unidos transformaram o Trust em uma peça fundamental do planejamento patrimonial para famílias brasileiras de alta e altíssima renda.
Pouco focado no Direito brasileiro, o Trust nos EUA sempre ofereceu uma combinação potente de segurança jurídica, flexibilidade na administração e eficiência sucessória, especialmente para quem possui bens e investimentos naquele país.
No entanto, o cenário mudou em função da lei nº 14.754/2023, que finalmente regulamentou a tributação dos Trusts no Brasil trazendo clareza fiscal, mas exigindo uma revisão imediata nas estruturas existentes.
Neste artigo, falaremos sobre as razões de sua popularidade entre brasileiros e as novas regras fiscais que demandam atenção redobrada dos instituidores e beneficiários residentes no Brasil.
O que é um Trust e a sua relevância nos Estados Unidos?
Um Trust é um acordo de confiança legalmente reconhecido pelo sistema de Common Law (direito comum) americano.
A estrutura do Trust é definida por três pilares:
- Settlor (Instituidor/Grantor): a pessoa que cria o Trust e transfere a propriedade de seus bens para ele.
- Trustee (Fiduciário/Administrador): o terceiro (que pode ser uma pessoa física, uma instituição financeira ou uma trust company) que recebe a titularidade legal dos bens e os administra.
- Beneficiário: a pessoa ou grupo de pessoas que terá o benefício econômico e os rendimentos dos bens detidos pelo Trust.
O ponto central do Trust é a separação da titularidade legal da propriedade do benefício econômico. O Settlor abre mão do título legal dos ativos, que passam a ser propriedade do Trustee, mas estabelece as regras de como e quando o Beneficiário poderá usufruir.
Por que é tão relevante para brasileiros?
A adoção de Trusts nos EUA por famílias brasileiras se baseia em vantagens que dificilmente são replicadas integralmente em estruturas nacionais:
1. Proteção patrimonial (Blindagem)
Um Trust devidamente constituído, especialmente o Irrevogável (Irrevocable Trust), retira os ativos do patrimônio pessoal do Settlor. Isso proporciona uma forte proteção contra:
- Credores pessoais: em muitos estados dos EUA, os bens transferidos irrevogavelmente ao Trust ficam fora do alcance de futuras ações judiciais e credores pessoais do Settlor ou dos Beneficiários.
- Riscos do “Risco Brasil”: ao jurisdicionar ativos em moeda forte e sob as leis americanas, o Trust mitiga a exposição a instabilidades políticas, econômicas e regulatórias do Brasil.
2. Planejamento sucessório sem inventário
Esta é, talvez, a principal razão. Nos EUA, o processo de inventário (probate) é notoriamente caro, lento e público.
- Evitando o probate: ativos de um brasileiro que falecer e possuir bens diretamente em seu nome nos EUA (como imóveis ou contas bancárias) estão sujeitos ao probate. Um Trust, especialmente o Revogável (Revocable Living Trust), permite que o Trustee transfira a titularidade dos bens para os Beneficiários de forma imediata e privada, conforme as regras estabelecidas pelo Settlor, sem a necessidade de um inventário.
- Continuidade e privacidade: a gestão do patrimônio é contínua, sem a paralisação típica de um inventário. Os detalhes da herança e do patrimônio permanecem confidenciais.
3. Controle e flexibilidade na distribuição
O Trust permite que o Settlor dite regras extremamente detalhadas sobre a distribuição do patrimônio, estendendo seu controle por gerações:
- Distribuições condicionais: é possível estipular que um Beneficiário só receberá o capital principal após atingir uma certa idade, formar-se na universidade, ou cumprir qualquer outra condição determinada. Isso impede que herdeiros jovens ou inexperientes desperdicem o patrimônio.
- Spendthrift Provision: muitas estruturas incluem cláusulas para proteger o patrimônio de um Beneficiário que tenha problemas com dívidas ou vícios.
4. Mitigação do imposto sobre herança nos EUA (Estate Tax)
Para estrangeiros não residentes nos EUA (non-domiciled aliens), o imposto sobre herança (Estate Tax) é um risco. A isenção é de apenas $60.000 e o valor que exceder esse limite pode ser tributado em até 40%.
- Planejamento do Estate Tax: estruturas como o ILIT (Irrevocable Life Insurance Trust) ou a transferência de ativos por meio de Trusts irrevogáveis, retirando os bens do patrimônio tributável do Settlor, são mecanismos essenciais para mitigar ou eliminar a incidência do Estate Tax sobre ativos situados nos EUA (US-situs assets).
A revolução fiscal no Brasil: Lei nº 14.754/2023
Até dezembro de 2023, o Trust era uma figura jurídica figurativa no Brasil, sem regulamentação. Essa ausência gerava insegurança e, muitas vezes, permitia um diferimento fiscal agressivo.
A Lei nº 14.754/2023 pôs fim a essa incerteza, introduzindo a tributação de Trusts com base no princípio da Transparência Fiscal.
1. O princípio da Transparência Fiscal
A nova lei brasileira desconsidera, para fins fiscais, a separação patrimonial que o Trust cria. Em vez de tributar o Trust como uma entidade, o Fisco brasileiro atribui a titularidade dos bens a uma pessoa física residente no Brasil.
- Regra geral: os bens e direitos transferidos para o Trust são considerados de titularidade do Settlor (Instituidor), desde que ele seja residente fiscal no Brasil.
2. Trusts Revogáveis vs. Irrevogáveis
A nova legislação distingue o tratamento fiscal com base na natureza do Trust:
| Tipo de Trust | Tratamento Fiscal no Brasil (Lei 14.754/2023) |
| Trust Revogável (Revocable) | Transparência Fiscal: bens e rendimentos são considerados do Settlor. Ele deve declarar os bens na sua Declaração de Imposto de Renda e tributar a renda gerada como se fosse sua, no momento da apuração. |
| Trust Irrevogável (Irrevocable) | Titularidade do Settlor: enquanto o Settlor estiver vivo, ele continua sendo o titular para o Fisco brasileiro, salvo algumas exceções.
Transição para o Beneficiário: a titularidade dos bens só passa para o Beneficiário no caso de falecimento do Settlor ou quando houver a distribuição efetiva dos bens ou rendimentos. |
3. Impacto no Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD)
A Lei 14.754/2023 esclareceu um ponto de extrema relevância no planejamento sucessório:
- Natureza da transferência: a transferência de bens para o Beneficiário (na ocorrência da morte do Settlor ou por distribuição) será considerada uma transmissão causa mortis ou doação para fins de cobrança do ITCMD (Imposto de Transmissão Estadual).
- Insegurança remanescente: embora a Lei Federal determine o evento gerador, a incidência do ITCMD é de competência estadual. A falta de regulamentação clara em todos os estados sobre como cobrar o ITCMD sobre a transmissão de um Trust estrangeiro ainda gera desafios.
Trusts vs. Holdings: qual estrutura escolher?
Muitas famílias utilizam Holdings (LLCs ou C-Corps nos EUA, ou EPEs em outras jurisdições) para deter seus ativos no exterior. É fundamental entender que o Trust não é uma Holding, embora possam atuar de forma complementar.
| Característica | Holding (Pessoa Jurídica) | Trust (Acordo de Confiança) |
| Natureza Jurídica | Empresa/Entidade societária formal (legal entity). | Relação Fiduciária/Contratual; não é uma entidade jurídica. |
| Administração | Sócio-administrador decide (geralmente o Settlor). | Trustee (Administrador) segue as regras da escritura de Trust. |
| Propriedade dos bens | Os bens pertencem à PJ (Holding). | A titularidade legal é do Trustee. |
| Objetivo principal | Organização, gestão ativa e otimização tributária. | Planejamento sucessório, proteção e flexibilidade na distribuição. |
| Evita inventário? | Sim, se a holding for transferida por sucessão societária. | Sim, por ser um acordo de transferência automática (pour-over). |
Para patrimônios complexos, a solução ideal muitas vezes envolve uma combinação: o Trust atua como o proprietário das cotas de uma Holding, que, por sua vez, detém os investimentos e imóveis. O Trust garante a sucessão e o controle de longo prazo, enquanto a Holding simplifica a gestão dos ativos.
O que considerar antes de adotar um Trust nos EUA como estrutura jurídica?
A decisão de adotar um Trust nos EUA deve ser precedida de uma análise minuciosa:
1. Determine seu objetivo principal
- Se a prioridade é evitar o Estate Tax e blindar ativos imediatamente, um Trust Irrevogável pode ser mais adequado, apesar de implicar a perda do controle sobre o capital.
- Se o foco é a sucessão rápida, privada e simples de ativos americanos, o Revocable Living Trust é o instrumento clássico.
2. Classificação e tributação dos ativos
- Com a Lei 14.754/2023, os rendimentos gerados pelo Trust serão tributados no Brasil na pessoa do Settlor ou Beneficiário residente, conforme o caso, com uma alíquota de até 27,5% (Carnê-Leão).
- É importante entender a classificação do Trust nos EUA (se é Grantor ou Non-Grantor Trust, se é Domestic ou Foreign Trust) e harmonizar essa classificação com a nova legislação brasileira.
3. Escolha da Jurisdição Americana (Situs)
Embora o Trust seja americano, a escolha do estado onde ele será estabelecido (situs) é vital. Estados como Delaware, Dakota do Sul e Nevada são conhecidos por terem legislações altamente favoráveis à proteção patrimonial (Asset Protection Trusts), sigilo e longevidade dos acordos (Dynasty Trusts).
Confiança Exige Conformidade
Os Trusts nos EUA permanecem como a ferramenta de planejamento patrimonial mais sofisticada para famílias brasileiras com bens no exterior. Eles oferecem segurança incomparável contra o processo de inventário americano e flexibilidade sucessória.
Contudo, a nova legislação brasileira exige que o empresário e o investidor abandonem qualquer estratégia baseada em “vácuo fiscal”. O Trust agora é transparente aos olhos do Fisco brasileiro.
Para que a arquitetura da sua confiança continue sólida, é imperativo que a sua estrutura americana seja revista e declarada em total conformidade com a Lei 14.754/2023. A harmonização entre as regras jurídicas dos EUA e as obrigações fiscais do Brasil é a única forma de garantir a preservação do seu legado sem surpresas tributárias.
Agende uma avaliação para entender o impacto da Lei 14.754/2023 no seu Trust atual e garantir a conformidade fiscal em ambos países.